fritar gelo na cama

Quem pode desejar uma noite fria?

Dominamos o frio mas não escapamos ao nosso próprio sofrimento… como julgar a intensidade da sua dor? deve ser impossível. Os russos não sentem frio, o álcool não sente medo, uma rocha anda só. Nas ruas gélidas de sp, não temos tempo de pensar no outro. A dor do outro é na pele, é de morrer de doer e não morrer de morrer.

Na cama aquecida, eu morro de não morrer, como diria teresinha.
Infantilizado me quero aprendiz:

– Me ensina a não pensar
– Fecha o olho e me beija,
deixa as línguas pensarem por nós

Me sinto só mesmo dormindo em nós
Reviro-me na cama em busca de fricção
A procura acelerada me remete ao desespero
Reviro gavetas e túmulos
No jardim tudo era fresco e pensivo
Quando criança revirava os olhos
E já tinha experiência com cemitérios

Todos reviramos alguma coisa
É raro nos vermos revirados.

Algum-
(As pessoas esquecem da gente)
-pensamento sempre me acompanha

Hoje não está tão frio
É possível falar da solidão
Ontem não me deixara dormir
Sem refúgio me via entre-muros 
Altos como o impossível

A experiência que eu tive foi a seguinte: me vi insatisfeito. Não com a vida, talvez com a vida. Na verdade era com um simples sono. Precisava de silencio para dormir, aproveitar a quentura da cama, o conforto da pele estranha que cada vez mais se aconchegava ao meu lado. Cada vez mais se fazia presente e se sentia familiar. Assim poderia estar aconchegado em meu próprio lar. Mas dormir em conforto não significa abandonar qualquer forma de desassossego. Como seres que nunca nos abandonam, cachorros carentes. Seus uivos incomodam, e foram esses que me mantiveram acordado. Começo a ficar bravo, com ódio, sou irrompido por tudo que há de mais ruim, negativando a paz, penso em minha solidão na morte, logo de cara… e qualquer determinação que me leve a este triste destino; ignoro a presença morna e pacifica ao meu lado, estou só, quero chorar, gritar, correr e bater em qualquer coisa. Qualquer coisa para esquecer a sensação que me acomete, me envolve alem do edredom. Não estou em paz, não posso fugir para rua nem para os sonhos. Trancafiado na insônia, me vejo numa tragédia grega, sem a menor graça, só vejo minha tristeza, minha pequenez, todos meus fracassos juntos me chutam quando já estou caído. A sensação é desagradável. Sinto coisas no corpo, coisas físicas, por dentro e por fora. Coceira, ardência, órgãos se mexendo. Penso no câncer me comendo por dentro. Penso muito em minha mãe. Sem querer acreditar, só o que penso é que ela me observa de longe. Querendo me dar algum sinal, mas eu muito distraído, não percebo. E o tempo passa, as coisas passam, de alguma forma amanha o dia vai nascer e vou me ocupar, vou esquecer. Deixar pra lá. Isso aconteceu.

Acordei e fui ator. Encenei educação e bom humor. Fui à rua. fomos. Pude sorrir, pude conversar e pude sentir sua doçura. Admirei-a. A quis para mim. Senti que a tinha, seu sorriso apontava para mim. Senti-me privilegiado. O dia amansou-se perante a tormenta da noite. O ódio não havia morrido, tampouco sido dominado. Contudo, nada como o sol para transformar as aparências. Ao menos as aparências.

– Aqui é bem ventilado
– Hoje não está tão frio.

Croissant com ovo frito e flor de sal
O sorriso dela me deixa feliz
Fora uma noite difícil
Enxerguei minha solidão mais crua durante aquela insônia.
A impossibilidade de dormir – minhas pernas não tinham força para me sustentar – a pura sensação de não ter para onde ir. Não pude nem me ocupar com os sonhos de fuga e perseguição. Não ter para onde ir – não ter pernas e estar lúcido.

Miche dourada em azeite, presunto cru, rúcula, burrata
Cortado, maior intensidade de café em dois shots de espresso e pouco leite
Espresso, chocolate meio amargo, leite vaporizado
Ela experimentou meu suco verde e falou – “hmmm que gostoso”
Estava de fato muito bom, tomei um gole, dei uma mordida no pão com requeijão.
Começava a esfriar, mas hoje o dia não está tão frio.

Já posso sonhar novamente
à cama, o retorno
Nós dois colados com azeite
Os lençóis ainda em pré-aquecimento
Seus pés se enroscam nos meus
Como fritar gelo na cama

Era pra hoje ter sido ontem

Publicado por cristiano benitez

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