Diário aberto (20 de junho, 2023)

Vai passar. Às vezes é o que a gente quer mais escutar. Vai passar. Seja de um amigo, amiga, da namorada ou dos pais. Acho que por isso muitas amizades podem substituir as famílias. Amizades que dão segurança e conforto. Dadas nossas culturas familiares, não é de se espantar que alguns amigos e amigas façam papéis de pais e mães respectiva e reciprocamente, com cuidados, zelos e carinhos, pois somos em boa parte imitadores. De toda forma, vai passar o que? Esse aperto no peito, essa dor de barriga, que te pega semi dormindo às 2 da manhã ou às 10 pras 7, logo antes do despertador tocar, depois de um sonho muito marcante para deixar ser esquecido. Essa dor, sente-se na carne, mas não é de lá que vem. Te dá medo, até horror, exasperação, que te faz querer esquecer tudo, ver um filme feliz, olhar o celular, comer um doce, escutar uma música e até trabalhar num escritório chato, que me faz escrever essas linhas só para não ter que lidar com esse terror fascinante. No fundo são respostas para dar conta dessa dor. Essa dor é angústia, dizem… a prova concreta de que há pulsão, dizem… o nosso desejo fundamental por não haver, dizem. Digo “nosso”, pois parece que outras espécies não querem a mesma coisa, só resistem, só sobrevivem, mas a gente aqui, humaninhos mágicos, a gente quer mais e mais. A gente quer o impossível. E parece, dizem, que o impossível mesmo, o absolutão (absolu-TAO), é não haver. Já tentou? Dizem que mesmo que você morra, você não deixa de haver. Primeiro porque vai continuar havendo para quem ficou. Segundo porque quando a gente morre, não temos a experiência de não haver depois. Uma vez que o corpo desliga, não temos mais experiência de nada, a não ser que você acredite em alma e vida no céu (ou coisas desse tipo). Aí o problema é seu. Mas dizem que acreditar nessas coisas é somente uma resposta para lidar com essa angústia que eu estava falando. Uma forma de tamponar essa dor, esse caroço ruim de engolir, esse comprimido de gosto amargo e ácido. Esse troço duro meio sem rosto meio difícil de explicar e dizer é o puro real. A gente sabe, (é e )não é sonho nem delírio, mesmo que compareça e apareça por Lá. O negócio é forte o bastante para sabermos que é real. É o Real. Não importa se não faz parte de uma tal realidade, a do fulano, por exemplo, não importa que ninguém saiba explicar. Eu tenho essa experiência, você tem ou já teve e esqueceu, se entregou às distrações do mundo para não ter que lidar diretamente com ela. Mas é possível rememorá-la, dizem que é olhar para o abismo, dizem que ele olha para você, outros dizem que é olhar para o espelho e não se ver, ou ver-se como puro espelho. Alguns chamam de estranho, outros, de familiar, como um sonho que tive com um amigo de infância que não falo há mais de 20 anos (esse cara deve ter mudado muito, por que ele voltou num sonho? Há sempre algo de misterioso, oculto, de místico – tem coisas que não podem ser simbolizadas, nossa língua é muito pobre diante desse Real). Essa angústia tem algumas caras, não somente uma. A dor é uma delas, a expressão na carne é parte disso. Às vezes tem cara de medo de morrer, tipo instinto de sobrevivência, pode ser, uma cara mais animalesca, mais instintiva para essa experiência que os animais não têm e nós temos. Às vezes tem cara de pé-na-bunda. Pode ser. É uma experiência pura mesmo, pura presença. Por que não dar um rosto? É o que tentamos sempre e não temos como não tentar. Não podemos parar pois ela é causa de tudo o que fazemos. Esse troço é um motor vital, e fazemos poemas épicos para dar conta disso, e ficam lindos. Tão belos que outros o utilizam para distrair-se, alienar-se, para não ter que lidar com o caroço. Aí fica aquela beleza cheia de sentido e outros vão lá e começam a criar teorias sobre o poema. E mais outros começam a querer ler o poema e estudar as teorias. E outros querem ensinar as teorias, e outros querem escrever seus próprios poemas, suas próprias teorias, mitologias, religiões, filosofias, músicas, teoremas matemáticos, toda forma de arte, e se inspiram no primeiro poema, pois somos seres miméticos e não temos como não copiar algo, assim como não temos como não tentar dar conta da angústia. Não há paz. Se paz fosse possível, nosso desejo de não haver seria realizado e ninguém mais estaria aqui, pois, como dizem, esse é nosso desejo fundamental e teríamos atingido nossa simetria radical (haver querendo não haver), teríamos atravessado o espelho, satisfeito o desejo, gozado absolutamente, o gozão, teríamos atingido o equilibro máximo, a homogeneidade radical, que só um deus conseguiria. Seria o fim. Ou o começo. E nesse instantezinho não haveria aquela dor, aquele aperto, imagina! Deve ser um prazer imenso, um sentimento de infinitude, essa paz terrível. Mas também ela passa, tudo terá passado. Vai passar.

Publicado por cristiano benitez

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